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????Remember Barcelona ⚽️ ???? #1–6ª feira em Barcelona ou a fragilidade do ser

????Remember Barcelona ⚽️ ???? #1–6ª feira em Barcelona ou a fragilidade do ser

João Simões na estação Coimbra-B enquanto aguardava o comboio para iniciar viagem.

[Texto de João Simões]

Às 12:04 de hoje do ano passado, o pitch agudo dos alto-falantes da estação de Coimbra-B prostravam-me face a uma das minhas fragilidades. O anúncio de que o lugar 11 da carruagem 4 do comboio 182 que me era destinado, só poderia ser ocupado pela minha pessoa 45 minutos depois do horário para o qual o comprei, inquietou-me. Sobretudo porque esse lugar me levaria a Campanhã, onde tomaria um táxi para o aeroporto Sá Carneiro, de onde partiria o voo que me levaria a ver malta querida e a um fim de semana que seria de sonho. Há indubitavelmente algo de mágico num percurso com vários transbordos. Deve ser a mesma adrenalina que um eletrotécnico tem quando monta circuitos em série.

Detesto quando as coisas começam a escapar do controlo. É uma das minhas fragilidades. Quando gizo um plano ou um percurso, detesto que seja adulterado ou perturbado. Não sou tirano, muito menos déspota, mas acardito na lei de Murphy.

Durante a espera refletia no propósito da viagem. Fim de semana com o pessoal da equipa de futebol do Técnico, em Barcelona (talvez a minha cidade preferida logo a seguir a Coimbra) num torneio a fazer lembrar as maratonas de futsal lá do campus.

Parecia-me bem.

Tendo andado um bocado afastado desse pessoal, estava um tanto ou quanto receoso se não iria ser um corpo estranho naquele núcleo duro, ganhador, vitorioso. Pois já haviam passado, pasme-se, 11 anos desde a minha fugaz passagem pela equipa.

“Bom… eu também sou campeão” — pensei eu — “Não há de ser nada”.

E para além disso, estariam lá os ícones da minha era, e que ainda o são. O Campos, que viria a assumir uma posição de destaque no TFC, o Tico, o Liberalidades e o Elegido. Já me dava também bem com o Teco, com o Gameiro, o Pífaros… entre outros. Mas a larga maioria era-me desconhecida ou não tão familiar.

Por fim cheguei ao hostel. Não ficava num hostel há anos. A primeira coisa em que pensei foi em como iria satisfazer as necessidades fecais. Eis senão quando sinto um arrepio na zona da cintura e pensei “lei de Murphy”. Mas não. Era o telefone a vibrar com a localização dos tropas, convenientemente fornecida pelo Tico.

Tralha arrumada, camarata era a que sobrava. Perfeito. Fui ter com o pessoal. Já tarde, é certo. Alguns já estavam na luta desde de manhã por isso sabia que teria de trabalhar o dobro.

O Tico pôs-me a par, não sabendo que estava também a expor as suas fragilidades. Haviam passado um agradável dia de praia depois do almoço e haviam, o Tico e o Teco feito um périplo botânico pela cidade, eles que são dois aficionados botânicos. Travaram conhecimento com o Ervilha, que era um dos muitos botânicos estrangeiros que em Barcelona faz carreira como boticário de elite. Tinha um sotaque bem vincado do Norte. Aí souberam o Tico e o Teco que seria botânica de qualidade.

Talvez afetados pelo perfume floral, contava-me o Tico, de um episódio que infelizmente não presenciei. Nessa mesma tarde, na praia, e sabendo que o Liberalidades não tolera determinadas coisas, o Tico, malicioso, chama o Liberalidades e pede-lhe desalmada e ofegantemente que este o acuda, pois estaria a ser assolado por uma cãibra num dedo do pé.

Imagino o teatro.

O Liberalidades, naturalmente na sua frágil ingenuidade e inocência apressa-se a acudir o camarada, fazendo aquilo que estava ao seu alcance, puxar o dedo do pé do Tico. Tudo isto, apenas e só, para ser presenteado com a ribombância de uma flatulência que Tico cruelmente lhe reservara pois ele sabe o quanto o Liberalidades repudia a flatulência alheia.

Memorável.

Entro no bar, o ambiente é incrível. Era uma festa reservada…bom… não era bem reservada, era mais um mote para o bar vender a reboque do torneio com aquele esquema d’ “A primeira é de borla” para as equipas que iriam participar no torneio. E se há fragilidade universal que assola todos os tugas… é aquela pequena oferta…aquele brinde…aquele pedaço de nada que como é oferecido, é tudo. Ninguém consegue deixar por beber algo que “está incluído”. Naturalmente que num bar cheio de equipas de futebol, o perfume no ar tinha umas notas nada agradáveis de saco. O barulho era ensurdecedor. Ou eram gritos de cidadãos já alcoolizados, ou aquela “música que dá pica, tás a ver?”, ou o irritante barulho dos matraquilhos e ping-pong. Sim. O pacote era completo. Na boa. O pessoal estava animado e eu também.

E já se sabe. Quando o álcool começa a descer, as fragilidades aparecem. O ser humano sucumbe aos seus instintos mais rudimentares, rende-se às emoções mais primárias e tende, por vezes, a percecionar a realidade como queria que ela fosse.

Depois de um belo hambúrguer e de uma amena cavaqueira, IPAs para aqui, destilados para ali, vejo que o Brutus está com uma fácies dissonante da da maioria. O motivo era simples, estava empenhado num projeto, talvez um dos maiores da sua vida, e à data do certame, o seu projeto não passava uma boa fase e, ao mesmo tempo que a companhia do pessoal lhe servia como um tónico de despreocupação, o seu projeto, naturalmente, não lhe saía da cabeça. Brutus encontraria em alguns companheiros um recetáculo para depósito de tantas emoções que fervilhavam em turbilhão naquela enorme panela de pressão. Como bons samaritanos, “mamámos a bucha”, ordeiramente e à vez. Percebêramos a importância do Brutus falar e de ser ouvido. Lá estivemos. Por mais volumosa e crespa que seja a embalagem, o conteúdo pode ser inesperadamente simples e transparente. Brutus gozaria ali, alapado a um banco de bar, daqueles altos, ultra confortáveis, um pouco do nirvana que o fim de semana proporcionaria a todos. Bons camaradas ouvem e não cobram, mas as IPAs cobram, e Brutus viria a saber, daí a não muito tempo que viagens noturnas ao Nirvana se pagam. A peso de ouro.

No outro lado do espectro emocional, encontrava-se o Pífaros. Jovem afoito de festa, não dispensa uns bons copázios. Jogava em casa. Tão em casa, que decide, a certa altura fazer da superfície exterior daquela peça de mobiliário essencial a um bar, que é o balcão, a sua retrete pessoal, versão IMAX. Eu não sei se a fragilidade em questão é física e que se descreve nos livros como incontinência, ou se é um instinto primal e até romântico quiçá, que reflete algum saudosismo da era neandertal. Ou talvez quisesse fazer algo para impressionar o resto do pelotão. Ou então as bebidas naquela tira de balcão eram aviadas mais depressa e ele viu ali uma vantagem competitiva. O Pífaros é muito afoito de festa.

Ausentei-me naturalmente daquela região circunscrita. Prefiro cheiro a saco que cheiro a saco com mijo. Mais ou menos como no borrego.

Fui até à zona das atividades a que há pouco fiz referência, os matraquilhos e ping-pong e tal. Olhei para o ping-pong e vejo um dos nossos, o Campos, no que parecia ser uma altercação. Bom. Não era bem uma altercação, era o Campos a ser convidado a abandonar da zona do ping-pong.

Jogava-se a modalidade de beerpong. Que é uma espécie de jogo de destreza semelhante à malha, mas para crianças que não têm força para arremessar a dita cuja. Ninguém em plena posse das suas faculdades com mais de 14 anos quer jogar beerpong, e aí é que está a questão. O Campos já havia delegado a posse das suas faculdades há cerca de 3 horas. Mais ou menos quando eu cheguei. Via-se bem a tristeza na cara do Campos a ser escorraçado por um grupo de jovens, com cerca de 15 anos a menos que ele, lamentando-se posteriormente perante os seus camaradas que ninguém queria jogar com ele, proporcionando um momento de indelével ternura, apenas suplantado pelas partes musicais dos clássicos da Disney.

Toda a gente se riu e ninguém jogou beerpong com o Campos. E ele ficou a ver os outros meninos a rirem enquanto as bolas de Ping Pong magicamente sobrevoavam a mesa de um lado para o outro e certeiramente encontravam os copos de bebida que os participantes tinham de ingerir. Que pândega. Mas não para ele. O Campos havia sido vítima de bullying geriátrico e não havia nada que nós pudéssemos fazer senão rir.

É a vida.

Noite memorável de sexta feira e o torneio ainda nem havia começado. Dizem que é com os copos que se conhecem as pessoas verdadeiramente. Não sei se será verdade, mas que é mais divertido, é.

No fundo somos todos umas massas periclitantes que por aqui andam e, com as nossas idiossincrasias, atraímo-nos e repulsamo-nos. Uns podem ter uma pele mais grossa, e outros mais fina, todos temos fragilidades e há que saber respeitar a do próximo mesmo que a sua compreensão ou génese nos transcenda.

É também devido a elas que estou neste momento a escrever este texto e não a viver o segundo capítulo.

Num tempo em que a humanidade se revela tão frágil perante uma coisa que nem visível é, nunca foi tão importante refletir nestas questões.

Menos a que levou o Pífaros a mijar no balcão. Essa cena foi nojenta.

João Simões na estação Coimbra-B enquanto aguardava o comboio para iniciar viagem.

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